No início de 2020, todos nós tínhamos sonhos e planos para o ano, grandes expectativas de fazer acontecer uma série de atividades nos mais diversos âmbitos da nossa vida. Eu tinha, e sei que você também, assim como organizações, igrejas e agências missionárias. A continuação da história, você já sabe: o coronavírus paralisou o mundo e tudo foi cancelado. Conferências, congressos, palestras, viagens, projetos. A palavra do ano foi frustração no que diz respeito a tantos sonhos adiados, e o pior, sem data prevista para retorno. A angústia do não saber o dia de amanhã tomou conta de nós.
Mas assim como nós tivemos que nos adaptar com o home office e as aulas virtuais, com nossos filhos em casa e uma rotina virada de cabeça pra baixo, missionários no campo também foram impactados. Fernando*, missionário em uma escola de artes no sudeste asiático, comenta que as aulas de ballet continuaram online, porém a interação tão necessária com as crianças e suas famílias foi profundamente prejudicada, e esse era o principal objetivo da escola. Fernando também conta que a convivência entre os membros da equipe de missionários foi desafiadora, com todos dentro de casa sem poder sair, por meses. “Ninguém estava preparado pra isso, ninguém planejou um lockdown. A questão virtual, por mais que aproxima quem está longe, também torna muito rasas as relações, ” disse.
Na Índia, a missionária Eliene* planejava iniciar amizades em seu condomínio e também começar uma escola de costura para mulheres em vulnerabilidade social. “Porém, grande parte dos indianos acreditavam que a COVID-19 era doença de estrangeiro, portanto todas as portas se fecharam para nós, e de repente nos vimos sem ter o que fazer”, comentou. Dentro de casa por quase todo o ano, com medidas muito restritivas, Eliene e sua família começaram a pensar em alternativas, já que as portas para o povo local haviam se fechado. “Entendemos que poderíamos abençoar outros missionários através de aulas de inglês que eu ministrei. Meu esposo aprendeu a fazer sites, e fez dois sites para organizações missionárias diferentes, entre outras coisas, “completou.
Na Turquia, o missionário Tadeu* iniciou um projeto de atendimento a 70 crianças de diferentes nacionalidades. Sírios, angolanos, curdos e turcos, juntos em um espaço de aprendizado e compartilhamento, com aulas de inglês, português, jiu jitsu, matemática e artes. Uma grande vitória após reformar um espaço que estava completamente destruído e equipá-lo com toda infraestrutura necessária para funcionamento, após obter todas as autorizações do governo, conhecido por suas ações autoritárias, de maioria islâmica. “Foi um tempo onde a fragilidade de muitas famílias foi exposta, fazendo com as casas fossem abertas para visitas, algo que nunca tinha acontecido antes da pandemia. A necessidade de muitas famílias fez com que outras oportunidades de serviço e amor ao próximo fossem demonstradas, como distribuição de cestas básicas,” diz Tadeu. Em 2020, o projetou abriu e fechou diversas vezes, por orientação das autoridades locais.
O missionário Erik*, em Portugal, atua em apoio à igreja perseguida em toda a Europa com capacitação, treinamento de líderes e desenvolvimento comunitário e social em países de alta e extrema perseguição. No atendimento aos refugiados em seu país de atuação, Erik diz que as necessidades e atenção a esse grupo tem sido extremamente desafiador, pois o contato com eles é sempre a distância e online, e quando trata-se de pessoas estrangeiras em terra estranha, os desafios de obter um emprego, aprender a língua, e a falta de oportunidades nesse período tem trazido muita angústia para todos. Portugal atravessa um novo surto da Covid-19 e está em lockdown com regras rígidas até março.
Na Indonésia, Wagner* atende 135 crianças cristãs, muçulmanas e católicas em uma escola com atividades diversas como reforço escolar, esportes, artesanato, música e artes. Antes da pandemia, a escola funcionava de segunda a sexta, mas a partir de março, a escola teve que fechar por 3 meses. Após isso, o retorno foi progressivo, inicialmente com três vezes por semana. Uma pia foi instalada do lado de fora da escola e todos os cuidados foram tomados para a reabertura, com novas aulas sobre asseio pessoal e higiene, redução do número de alunos por atividade, uso da área externa com maior frequência e outras medidas. Com o aumento do número de casos, a escola abriu e fechou várias vezes ao longo do ano. “Nossa maior preocupação era com a vida espiritual das crianças, elas não estavam indo pra igreja durante toda a pandemia, pois as igrejas estavam fechadas, muito são cristãos nominais, os pais não têm muito conhecimento, não são maduros na fé,” disse Wagner. Em setembro, a escola retornou as atividades apenas de discipulado e cultos.
Ao ter contato com tantas histórias, percebemos que os desafios foram e são muito grandes, até hoje. O quadro de pobreza e abandono só cresceu, não só no Brasil, mas em todo o mundo. Desemprego, fome e miséria escancarados em tantos lugares, denunciados pela injustiça e desigualdade social. Missionários perderam mantenedores e recursos. Ajuda interrompida, não apenas pelos problemas trazidos pela Covid-19, mas pela falta de apoio espiritual e financeiro sobre os mesmos. Mas ainda assim, parte da Igreja de Cristo continuou a lutar para manter a chama acessa, apesar dos riscos e das contrariedades.
Oramos para que Deus continue trazendo recursos e estratégias, e para que continuemos a ser os valentes, conhecidos como aqueles que alvoroçam o mundo com as boas notícias do Reino de Deus: justiça, paz e alegria, para todos os povos!
*Os nomes citados são fictícios, para proteger a identidade de cada missionário.
Carles Bernardes
