O missionário brasileiro Jefferson Garcia, 37, visitou nesta segunda (19) as duas igrejas e uma escola no Níger coordenadas por ele e que foram destruídas por protestos de muçulmanos no sábado (17).
Ele enviou à Folha fotos que fez da escola, de 350 alunos. Uma das salas de aula foi depredada, com cadernos espalhados pelo chão, carteiras quebradas e janelas saqueadas, além de focos de incêndio.
Foi a primeira vez que o brasileiro visitou o local depois dos ataques. Desde sexta (16), manifestantes atingiram símbolos cristãos em reação à capa do jornal francês “Charlie Hebdo” que traz o profeta do islamismo, Maomé.
“Não sobrou nada, é um cenário de destruição. Só algumas paredes de pé. A escola foi totalmente destruída, botaram fogo nas salas de aula, levaram telhados, portas, armários. Nas igrejas também, saquearam tudo. Vamos ter de recomeçar”, disse o brasileiro em entrevista por telefone. Jefferson é missionário de uma ONG protestante que atua no Níger.
Conforme a Folha revelou em sua edição impressa desta segunda, além desses três espaços cristãos, dois templos da Igreja Presbiteriana Viva, com sede em Volta Redonda (RJ), foram completamente incendiados e saqueados na capital Niamey.
Desde sexta-feira, dez pessoas morreram e cerca de 20 templos cristãos foram atacados país, predominantemente muçulmano e um dos mais pobres do mundo.
Nesta segunda-feira, a situação parecia mais calma, segundo relato dos brasileiros. A comunidade brasileira no país africano –estima-se que seja de pelo menos 32 pessoas– havia sido orientada pelo Itamaraty a não sair de casa até domingo (18).
A embaixada do Brasil no vizinho Benin, responsável pela diplomacia no Níger, chegou a avaliar retirar os brasileiros país se a situação piorar nos próximos dias, mas, por enquanto, está sob controle.
Os protestos no Níger começaram na sexta-feira (16) por causa da publicação, dois dias antes, do “Charlie Hebdo”. Foi a primeira edição do jornal após o ataque à sua sede, em Paris, que matou 12 pessoas, entre elas oito funcionários.
Os autores do atentados, os irmãos Said e Chérif Kouachi, justificaram o ato em razão das sátiras que o semanário costuma fazer de Maomé, profeta do islamismo. Ambos foram mortos pela polícia.
Uma semana após o episódio, o jornal voltou a circular, desta vez com uma capa que traz a caricatura de Maomé chorando e segurando o cartaz “Je Suis Charlie” (Eu Sou Charlie) –acima, a frase: “Tudo está perdoado”. Estima-se que a tiragem dos exemplares, inicialmente prevista para 3 milhões, possa chegar a 7 milhões.
A capa recebeu críticas de lideranças religiosas islâmicas. O presidente do Níger, Mahamadou Issoufou, tem sido atacado no país por ter participado da marcha em Paris contra os atentados que, ao todo, mataram 17 pessoas (além das 12 no “Charlie”, quatro morreram num supermercado judaico e uma policial perdeu a vida num tiroteio).
O redator-chefe do jornal, Gerard Biard, saiu em defesa da publicação. “Cada vez que desenhamos a caricatura de Maomé, de profetas, de Deus, defendemos a liberdade de religião”, afirmou. “Deus não deve ser uma figura política ou pública, mas sim privada”, ressaltou.
Fonte: Folha